23 maio 2010

A Carta

Consigo sentir o cheiro dela a léguas de distância. Nada mais parece existir além dela. Seus olhos, cor da água, translúcidos. Seu cabelo é seda em minhas mãos, seu corpo a perfeita escultura a meus olhos.

23 de Junho de 1953. Triste data esta que anuncio. Perdi seu cheiro, seus olhos, seu cabelo, seu corpo. Perdi toda a sua luz. Perdi os suspiros, os sorrisos, as lágrimas. Os desabafos e preocupações, nunca mais as poderei ouvir pois sua voz agora é uma simples memória.

Sei que não compreenderão. Sei que nunca irão perdoar esta decisão tola mas sábia. Mas ela está tomada, não há volta a dar. Meu testamento, deixo-o na primeira gaveta da velha secretária da sala de chá.
Apenas quero que entendam que o que fiz foi por amor pois vida sem amor não é vida. E assim me entrego à morte. Talvez assim volte a encontrar a felicidade, a seu lado, novamente.

21 maio 2010

O Adeus

-Adeus!

Após um beijo caloroso, virou costas e partiu. Nada ficou a não ser a tristeza. Na memória, o seu bafo quente toca-me levemente durante a noite, onde amarrados um ao outro dormimos, faça frio, faça calor.
A gargalhada sonora ainda reside nos meus ouvidos. As piadas outrora ditas ainda me fazem rir. Mas ele não está aqui, junto a mim.
E ainda que a ausência seja curta a olhos alheios, a mim parece não ter fim.
Resta-me esperar. Esperar enquanto durmo sozinha, amarrada ao travesseiro onde em dias dormiste, para não me sentir só, pelo menos para sentir que estás um pouco comigo.

15 maio 2010

A música leva-me a outros lugares, impede-me de pensar em tudo aquilo que não me faz sorrir, soltar uma enorme gargalhada, pular de satisfação.
A melodia soa. Os pés saem do chão. A mente voa e eu deixo-me levar. Ando por aí. Por aí, algures. Talvez um dia decida parar de me perder em mundos imaginários onde nada me aborrece. Mas eu sei que isso nunca acontecerá. Nunca vou largar este pedaço de vida só minha, o meu lugar perfeito, o meu céu privado onde só eu posso voar livremente. Porque aqui em cima é tudo bem mais bonito...

01 maio 2010


Abre a janela, sente o dia, fecha os olhos imaginando o sol; sai do quarto, desce as escadas, ou melhor, o corrimão, como em tempos fazia. Não toma o café da manhã nem sequer se dá ao trabalho de vestir algo mais apropriado. Imagina o mundo, tudo que nele se passa naquele exacto momento em todos os continentes.
Na América ainda é de noite, pensa.
Pega numa maçã, das encarnadas pois desde cedo diz não gostar do sabor das verdes; abre a porta principal com enorme brutalidade. Quer sair de casa, apenas isso.
O jardim permanece igual desde ontem, desde à dois, três, quatro dias; desde à dois, três, quatro anos. O banco vermelho já tem ferrugem, sinais do tempo, mas encontra-se no mesmo sítio: debaixo do Carvalho.
Corre até ele. Senta-se. Respira ofegantemente até se acalmar. Deita-se no banco, encostando os joelhos ao peito, envolvendo-os com os braços.
E rapidamente adormece. Ali os pesadelos não a atormentam.

Pensava
. Todos os dias ela pensava naquele determinado assunto, aquele mar de códigos complicados e difíceis de descodificar. Segundos, minutos, horas. Tudo isto passava velozmente, tal como o vento que batia na sua face, calmo e real. Água surgia, então, sob a forma de lágrimas, insípida como a questão central, aguada como toda aquela situação, descontrolada.
Disse-lhe que pensa demais. Talvez o melhor seja parar de pensar...
Vidros.
Vidros partidos ao longo do caminho. A fonte é desconhecida. Não sabe de onde vieram, e na verdade sente-se demasiado inerte para descobrir. Magoam. Sim, magoam-na quando ela por eles se atreve a passar. Rapariga estranha.
Vazio. Assim permanece o seu olhar como se algo lhe faltasse, como se a alegria por vezes lhe fosse tirada e mais tarde devolvida, para dias após esta voltar a ser roubada. E porquê? Porquê toda esta confusão, este emaranhado de fios de lã, quente e aconchegante lã daquele velho novelo que durante anos permaneceu na prateleira. Até que ponto viverá nesta estranha brincadeira do dá e tira? Até que ponto é um simples sorriso algo tão cobiçado, como se de um doce fitado por uma inocente criança se tratasse?
As folhas começaram a cair. O Outono deixou de se esconder. Mostrou a cara.
Ela saiu de casa bem cedo, como todos os dias fazia, não porque tinha aulas, não porque tinha compromissos, trabalho ou assuntos sérios a tratar. Simplesmente acordava cedo para sentir o ar matinal, para que a primeira brisa lhe batesse no rosto. Isso fazia-a sentir-se viva.
Acordar cedo, era já rotina.
Percorria os corredores que uniam o seu quarto à restante casa, descia as escadas que separavam a sua casa do jardim das traseiras e os seus pés finalmente pisavam a relva fresca com enorme delicadeza.
Respirou fundo. As suas mãos suaves formaram então uma cruz em frente ao peito e percorreram os seus braços. Estavam gelados, como há muito não estavam. Afirmação do Outono, supôs.
Apressadamente voltou a percorrer as escadas, uma por uma, nenhuma falhou.
Abriu a porta, deslizou pelos corredores, entrou no seu quarto e regressou, voltando os seus pés a tocar na verde relva..
Desenrolou uma pequena manta colorida, feita em crochet pela sua avó materna, a D. Aurélia, e colocou-a sobre os ombros gelados.
Recordou uma pequena conversa que com ela teve antes de esta falecer naquele terrível Inverno de 98.

- Avó, como sabemos que escolhemos o nome certo para alguém?
- Oh minha querida, não sei. Mas se deres um nome que gostes a alguém aposto que essa pessoa vai adorar...
- Oh, mas a minha mãe gosta do meu nome e eu não. Avó, quem escolheu o teu nome?
- Foi o meu pai. Mas porque perguntas?
- Bem...é um nome estranho. Acho que nunca daria esse nome a uma filha...
- Pois é. E sabes? Tal como tu odiava o meu nome...até saber o seu significado.
- Significado?
- Sim. Todos os nomes significam algo, e Aurélia significa "brilhante como o sol"

Sorriu. Sorriu pela sua bela ingenuidade de criança, pela sua avó e pelas conversas que ambas tinham diversas vezes na velha cozinha amarelada, onde uma das paredes estava visivelmente mais suja devido à proximidade da lareira que as aquecia enquanto permaneciam sentadas, a avó na cadeira de baloiço e ela numa grande almofada cor-de-rosa, durante os dias mais frios.
A brisa surgiu, leve e fresca como sempre, trazendo consigo algumas folhas soltas, caídas recentemente das árvores que o jardim possui. Cerrou os olhos, apertou a manta contra o peito; uma lágrima vítrea percorreu todo o seu rosto e, enquanto acariciava a barriga, disse junto a uma velha placa rodeada de belas flores:

- Avó... em mim carrego um pequeno raio de sol que em breve trará à minha vida tanta alegria como aquela que sempre me deste. Avó... diz olá à Aurélia!

(E a brisa voltou a bailar com as folhas enquanto o sol brilhou, mais forte do que nunca.)

- Olá, tudo bem?


E repentinamente ficou mais vermelha que um tomate, como se as suas bochechas tivessem sido afectadas por um fogo intenso.
Ele nada disse, apenas sorriu timidamente. Detentor de uma beleza divina conseguiu, sem qualquer intenção, fazer com que as suas pernas cambaleassem, como se de um momento para o outro o seu equilíbrio tivesse abandonado todo o seu corpo, como se de um fugitivo se tratasse.
Rebobina o momento infinitas vezes somente porque a faz sorrir. Já há muito não se sentia assim, tão leve.
O episódio volta a acontecer, mais uma vez, mas apenas na sua cabeça. Parece real, como se o estivesse a viver enquanto relembra. Já passaram meses mas continua tudo nítido.
Pé ante pé caminhava sobre a calçada. Naquele final de tarde, tudo estava notoriamente normal e assim continuaria se ele não tivesse surgido no seu anglo de visão. Um aperto na barriga tomou posse dela e, sem o controlar, continuou a avançar como quem tenta manter a naturalidade da situação, para não dar muito nas vistas.
Ele ficava cada vez mais perto e o seu nervosismo aumentava consideravelmente. Ela olhou-o e umas palavras não pensadas saíram subitamente da sua boca. Palavras não, talvez ruídos que dificilmente foram entendidos.
Ele retribuiu o olhar e respondeu delicadamente a tais palavras, com o ar mais tímido e fascinante do mundo.
Ela quase caiu ao descer as escadas. Foi tudo tão repentino mas também demasiado lento, como se o efeito câmara-lenta estivesse patente naquele episódio, que todos os dias lhe surge na mente, de olhos fechados, de olhos abertos.

O toque


Um rapaz, uma rapariga. De mãos dadas caminham enquanto os seus gastos sapatos criam sons estranhos mas engraçados na neve branca.: shap, shap, shop, shop. Algo deste género, suponho! É estupido mas incrivelmente agradável vê-los caminhar, tão cumplices, tão mágicos. É inegável o brilho nos olhos que surge quando se olham.
Dão as mãos, não só porque está frio e o mais pequeno calor do tacto acaba por ser saudável mas também porque acaba por se tornar quase insuportável não se tocarem, não se sentirem.
São diferentes mas posso afirmar com certeza que se complementam.
Ele gosta dela, ela dele. não basta?
O mundo já não passa por mim como se nada fosse, já não me olha com olhos tímidos ainda que a timidez não tenha desaparecido completamente. Já não pensa se deve ou não falar, se vou ou não responder, se vou ou não gostar. O mundo mudou, deixou de se esconder atrás dos cortinados, atrás das mãos frias. O mundo perdeu a vergonha e convidou-me para sair com ele, para rir com ele, para não sair da sua beira; convidou-me para ser parte dele.Deixamos de ser dois mundos distintos. Passamos a ser um estranho e indescritivelmente maravilhoso singular.

O amor é...


Ele:
Amor é o conjunto de reacções que acontecem quando estamos com a pessoa em questão: as pupilas dilatam, o estômago contrai-se e o batimento cardíaco acelera.

Ela: E não te esqueças que amor é quando o hálito matinal deixa de ter importância.

Foge Foge Bandido

Olá - disse ele da forma mais entusiasmada possível de ser demonstrada.
Ah..olá! - respondeu friamente aquela que já há muito tempo ocupa o seu coração, a sua mente, os seus sonhos enquanto olhou por breves segundos para o doce rapaz de blusão azul.
Mas que fiz eu de errado? - questionou-se - Tem sido sempre assim desde aquela estranha tarde em que fomos apresentados pelo meu irmão mais velho.
Caminhou até casa sempre matutando no mesmo, ainda que o tempo gasto na procura de respostas para tão frias reacções por parte dela fosse, definitivamente, tempo muito mal gasto.
Em frente à simplória casa pintada com um fresco branco, onde já são notórias as marcas da infinita passagem das folhas do calendário, e após ter visto a correspondência, que rapidamente se mostrou inexistente, na caixa de correio encarnada, procurou as chaves de casa.
Estas, que demoraram a ser encontradas devido à visível confusão em que a mochila desgastada se encontra, estão unidas por um pequeno porta-chaves que contém uma estrela do mar, encontrada há uns belos anos atrás pelo seu falecido avô Joaquim numa praia algures no Norte do país.
Abriu a porta, pousou a mochila e subiu apressadamente as escadas evitando falar com a sua mãe que no momento da sua chegada estava no hall de entrada, junto a uma mesa redonda, a falar ao telefone sobre um determinado assunto relacionado com a sua modesta loja na baixa de Coimbra.
- Dê-me um segundo, por favor. - pousou o telefone - Luís! Luís.....LUÍS!!
Uma pequena voz quase abafada respondeu de modo breve:
-Mãe...agora não!
Fechou a porta do quarto. Não a trancou pois sabia que ninguém iria invadir o seu pequeno espaço sem a sua autorização, fosse qual fosse o motivo.
Ligou o seu computador, aquele que era do seu irmão mais velho. Não sei porquê, mas existe uma certa tendência para os irmão mais novos ficaram sempre com os ditos restos. Mas ele não se importava.
Abriu um página web e nela inseriu um estranho endereço. A página abriu. O conteúdo assemelhava-se a um blog mas nunca cheguei a confirmar esta minha suposição. Com certeza, apenas posso enunciar as palavras que naquele pequeno texto se podiam ler.
"Hoje foi o fim? Hoje foi o início? Acabou ou começou, não sei. Mas sinceramente tanto faz...apenas quero é continuar"
Francisco Silva, 30 anos, sonhador.
Gosta de apanhar sol na velha varanda das traseiras de sua casa, onde já muitas vezes ficou vermelho como um tomate, comer pasteis de Belém e bolas de Berlim.
Não gosta do cheiro a terra molhada e a gasolina, a chuva forte que se faz sentir quando não tem guarda-chuva e as novelas que a sua mãe vê enquanto faz roupinha de lã para as crianças do orfanato.
15 de Junho de 1988. 16 horas e 16 minutos. Aqui, algures neste enorme parque de diversões, uma pequena criança que se encontra definitivamente na fase de mudança dos dentes come algodão doce cor-de-rosa, afirmando que é melhor que o branco quando o sabor é o mesmo.
No outro lado da cidade, um homem recostado no mais velho banco de um jardim localizado na periferia lê pequenos excertos de um livro de capa desgastada e pequenas anotações escritas a lápis que indicam certas frases dignas de atenção.
"Mensagem", é o que se lê na capa amarelada. 15 de Junho de 1988, 100 anos e dois dias após do nascimento de Fernando Pessoa, o homem que permanece sentado numa pequena mesa do café Brasileira, na rua Garret da capital.
O relato do futebol ouve-se num outro ponto. Não sei qual é o jogo, não ligo muito a isso. Alguém marcou golo e se digo isto não foi por prestar atenção à voz familiar que se fazia ouvir através do velho philips dos anos 50 mas sim pela habitual reacção dos típicos homens de tasca, que as tardes passam ali enfiados, com as cartas, o vinho e as conversas do costume. O philips...Que bonito rádio. Modelo Sagitta como o do bisavô paterno da minha adorada mãe.
E aqui está o sol já a dizer adeus enquanto guardo o pião e o cordel no bolso do casaco remendado. Deu-me vontade de reviver os tempos perdidos. Apeteceu-me prestar atenção.

Vila Real, 2h51m.



A sala de minha casa está a ficar repleta de fumo. Deveria sentir-me incomodada? Reparo que o aquecedor está ligado com o intuito de aquecer este grande espaço, mas devido à existência de meia dúzia de fumadores a janela está aberta quebrando pondo de parte qualquer tentativa de ambiente acolhedor. Deveria importar-me?
Já três minutos se passaram desde que comecei a escrever este texto. Não sei porque demoro tanto: escrevo com a mesma velocidade de sempre e não penso muito no que vou escrever. Acho que lá no fundo estou noutro mundo, atenta a outras coisas, com a mente noutro lugar, noutras pessoas.
Meia dúzia de pessoas que aqui estão, sentadas em cadeiras e bancos, apoiados na mesa de vidro que em outras ocasiões é a o palco de jantares com os amigos ou companheira de estudo, quando este acontece. Na mesa nada de lasanha, nada de leite com bolachas ou somente um cházinho. Não há computadores nem montes de folhas espalhadas cujo conteúdo constitui algo fundamental para passar na frequência. Desta vez, como tantas outras vezes, o poker é o companheiro de noitada. Não há álcool, apenas fumo e conversas.
Estou mais afastada, não porque não me enquadro, somente porque não gosto muito de poker. Prefiro refugiar-me no sofá enquanto vejo um filme, coisa que tenho feito imenso ultimamente. Aliás, até iniciei uma lista onde vou anotando os filmes que já vi até agora e os que vou vendo.
O filme acabou, o fumo decidiu aceitar o convite da fria brisa que corre lá fora. O aquecedor, esse continua sem efeito algum. O som das fichas de poker atrai por vezes a minha atenção. Mas eu não estou aqui. Estou, eu sei. Mas não estou. Não sei se me entendem, não sei sequer se quero ser entendida. Não sou nenhuma equação cuja resolução deriva de um método facilmente aprendido. Nunca gostei muito de matemática. Não sei porque a invoquei.
A mesa vai-se esvaziando. São precisamente 3h05m.
Mas o que importa isto afinal? Sou apenas uma rapariga, que escreve o que lhe vai na mente, com uma enorme vontade de mergulhar bolachas no leite quente.

Escuridão


- Ás vezes, antes de adormecer, fico simplesmente deitado na cama a olhar para o escuro.
Tentei fazer o mesmo mas parecia tão ridículo. Olhar para o escuro. Como se olha para o escuro se nada se vê? Como podemos olhar para algo se não conseguimos focar nada e tudo parece igual?

- Oh, que raio de estupidez!

Dias depois, sozinha na cama onde o único bafo quente que se fazia sentir era o meu, tornou-se quase impossível adormecer. E instintivamente, deitada de barriga para cima, fiquei a apreciar o escuro enquanto lentamente os meus olhos se cerravam.

O velho

-Adeus! - e uma lágrima brilhante como o cristal percorreu o seu rosto, tela onde a idade pintou a sua marca.

Durante horas manteve-se lá sentado, agarrado à sua mão que a cada minuto ficava mais fria. Manteve o seu olhar fixado nela, nos seus olhos doces, agora fechados, na sua boca delicada e na sua pele macia. E naquela cadeira as lembranças surgiram à velocidade da luz, quase embatendo umas nas outras tamanha era a vontade de se afirmarem. Uma em particular fez o homem rir, não por ser importante pois na verdade era quase insignificante. Sorriu sem desviar o olhar. Lembrara-se do dia em que ela lhe tinha dito que adorava colocar a mão sobre o coração pois assim tinha a certeza de que este continuava a bater por alguém: ele.

Sorriu novamente. Olhou para a sua mão uma última vez naquele quarto branco e frio. Segurou nela mais uns instantes e colocou-a sobre o seu coração, dizendo:

Ainda que o teu coração tenha parado, o meu continua a bater por ti.

E assim se afastou em sinal de despedida deixando que o lençol branco tapasse o rosto da sua amada para sempre.

O bilhete

Olá- disse ela no habitual tom envergonhado.
Ele apenas sorriu, nada disse, libertando o balcão e saindo do café em seguida.
- Estou farta disto, nunca me fala e quando fala é como se me despacha-se - comentou com amiga.
Ela também nada disse, ganhando rapidamente uma expressão de impotência na sua face.
-Mas será que hoje ninguém fala? - disse irritada.
- Acredita que por vezes não é a falar que a gente se entende - respondeu-lhe enquanto recebia o troco do amável empregado de mesa de avental vermelho.
Naquele café o sol batia de frente, entrando sorrateiro pela longa vidraça.
Nada mais se disse durante o serão.
-Desculpe menina - disse o mesmo empregado que há pouco as servira - o rapaz que saiu pediu para lhe entregar isto.
A sua pele empalideceu, a sua boca perdeu forças de tanta admiração não tendo por isso dito obrigado, limitando-se a acenar com a cabeça.
Abriu o pedaço de papel rasgado de uma folha de um caderno qualquer.

"Não falo, mas sinto.
Espero que entendas o que te quero dizer através do meu silêncio.
N."

-Pois - disse - parece que nem sempre é a falar que a gente se entende...

O lago

Não gosto muito de lagos. Nunca gostei. São estranhos, muitas vezes escuros e nunca sei que tipo de seres por lá habitam. Mas o lago era agora o único sítio onde sentia o mínimo de conforto. A brisa leve, o som inexistente.
Caminhava de um lado para o outro, pequena distância, sempre alternando a direcção. Gosto do som das galochas quando entram em contacto com a terra húmida. Recordam-me as tardes em que pesacava com o meu pai, ainda criança. Não sabia pescar mas adorava ir com ele. Ele bem tentava ensinar-me a puxar o peixe mas sem a sua ajuda o mas certo era a cana ser levada pelo peixe.
Aquelas minhocas enjoavam-me mas nunca o dizia para que o pai não me dissesse para ficar em casa da próxima vez.
A pesca não era para mim mas ficar em casa a ajudar a mãe a fazer um dos seus muitos bolos com cobertura de açúcar não era uma opção.
Paro em frente ao lago. Está deserto. A erva balança com o vento. Até que é bonito. Meto a mão no bolso e tiro uma pequena pedra. Levanto o braço, dou lanço e atiro-a. Ela salta sobre a água. Pensei que só faziam isto em filmes, mas não. A água do lado mexe-se por breves segundos e volta ao normal. Tudo calmo, tudo como estava, imóvel.
Regresso a casa a correr, sentindo a brisa bater-me na cara enquanto respiro aquele cheiro puro do lago que não gosto.

1.

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