29 agosto 2010

A Mansão

- É um som interessante.
- Qual?
- O leve som que se forma quando passo o dedo suavemente pelo copo, sempre em círculo. Quase parece um assobio que desaparece se for demasiado rápida nesta dança entre copo e dedo.
- Sara, já bebeste demais...
- Não. A bebida apenas me faz pensar, parar um pouco, reflectir....
- Como disse, já bebeste demais, não dizes coisa com coisa.

Um breve silêncio invadiu a mansão. As canhotas continuaram a arder na lareira. Os estalidos da madeira a queimar quebravam a ausência de som, ainda que por pouco tempo.

- Sabes André, estou farta de viver nesta vida de mentira, nesta casa de bonecas, nesta mansão onde vivemos os dois e os nossos ecos. Quase nos perdemos aqui. Não aguento mais vestir estas roupas que as pessoas adoram só pelo seu preço. Porquê? São só roupas. Apenas e só, roupas.
Será a seda melhor que o algodão? Oh sim, é. Mas sabes? Prefiro o algodão porque a seda é a luxúria, a vaidade, o inferno. E o algodão... O algodão é a simplicidade, o conforto, a vida que eu tinha e desejo voltar a ter...


- SARA!!! Olha para mim... - André agarra-a pela mão, vira-a na sua direcção, afasta-lhe o cabelo do rosto e olhando-a nos olhos prossegue - Eu só queria dar-te uma vida melhor, dar-te coisas boas, fazer-te feliz. Nunca pensei que estivesses assim, triste, revoltada, infeliz...Desculpa!

No dia seguinte, a mansão da rua 5 tinha um letreiro na entrada. "Vende-se", dizia. Cá fora, no verde jardim, mesmo junto à piscina, uma festa para a vizinhança decorria. Uma pequena mesa com limonada. Rissóis e croquetes eram os petiscos. Acabara-se o champanhe e o fondue. À esquerda, uma balcão improvisado surgia entre a multidão. Roupas e mais roupas em cabides eram vendidas a preços de fazer rir.
André e Sara cumprimentavam os vizinhos, aquelas pessoas simples que viveram três anos na porta ao lado da sua e com quem nunca trocaram uma única palavra.
A festa durou até de madrugada mas a noite fresca pouco ou nada incomodou os presentes, muito menos Sara e André. Essa era uma das coisas boas das camisolas algodão...

02 agosto 2010

O Alpendre

- Acorda, é só um pesadelo!!

Miguel acordara sobressaltado, quase caiu da cama de rede pendurada no alpendre da casa de campo dos seus avós.
Visitava-os todos os anos, na última semana de Julho, e a visita prolongava-se quase até finais de Agosto. O clima lá era maravilhoso: nem muito quente, nem muito frio. Os dias de calor eram sempre acompanhados de uma leve e suava brisa, que fazia esvoaçar os cabelos dourados da vizinha do lado, aquela que fora a única e a primeira a captar a atenção de Miguel.

Miguel olhou em voltam ainda ofegante e desnorteado.

- Calma - disse Camila, a doce rapariga de cabelos dourados e olhos azul vivo que fazia cortar a respiração de todos, ou quase todos, os jovens da aldeia - Foi só um pesadelo, já passou!

Camila segurou-lhe na mão quente e suada. Olhou-o nos olhos um pouco envergonhada, respirou fundo e muito calmamente perguntou com a sua voz meiga:

- Com que sonhaste tu, afinal? Quero dizer... que sonho poderia ser tão mau para te deixar neste estado.

Miguel já calmo retribuiu o olhar. Apertou com um pouco mais de força a mão de Camila, fazendo-lhe suaves festas com o polegar.

- Foi algo quase sem nexo mas que me assustou de morte.

- Sim...? - disse Camila, como se pedisse que continuasse.

- Sonhei que te perdi para sempre, que desaparecias do mapa, que nunca mais podia sentir a tua mão na minha, olhar para os teus doces olhos...como agora. Sonhei que morrias e que assim perdia a oportunidade de te dizer algo que já há muito quero que saibas....

- E isso é...?

- Amo-te!

Camila ficou quieta, espantada, sem palavras, mas sempre com olhos fixos em Miguel.

Miguel continuou, apressadamente e sem jeito:

- ... E pode parecer estranho dizer-te isto sendo tu minha amiga mas amo-te desde a primeira vez que te vi, ou seja, desde os 12 anos por aí, e desde então que só te quero a meu lado, nem que seja somente como amiga, eu....

Nada mais disse. Não porque não quisera, não porque seria inútil. Somente porque não pudera, tamanho foi o beijo apaixonado que terminou a conversa.