01 maio 2010

As folhas começaram a cair. O Outono deixou de se esconder. Mostrou a cara.
Ela saiu de casa bem cedo, como todos os dias fazia, não porque tinha aulas, não porque tinha compromissos, trabalho ou assuntos sérios a tratar. Simplesmente acordava cedo para sentir o ar matinal, para que a primeira brisa lhe batesse no rosto. Isso fazia-a sentir-se viva.
Acordar cedo, era já rotina.
Percorria os corredores que uniam o seu quarto à restante casa, descia as escadas que separavam a sua casa do jardim das traseiras e os seus pés finalmente pisavam a relva fresca com enorme delicadeza.
Respirou fundo. As suas mãos suaves formaram então uma cruz em frente ao peito e percorreram os seus braços. Estavam gelados, como há muito não estavam. Afirmação do Outono, supôs.
Apressadamente voltou a percorrer as escadas, uma por uma, nenhuma falhou.
Abriu a porta, deslizou pelos corredores, entrou no seu quarto e regressou, voltando os seus pés a tocar na verde relva..
Desenrolou uma pequena manta colorida, feita em crochet pela sua avó materna, a D. Aurélia, e colocou-a sobre os ombros gelados.
Recordou uma pequena conversa que com ela teve antes de esta falecer naquele terrível Inverno de 98.

- Avó, como sabemos que escolhemos o nome certo para alguém?
- Oh minha querida, não sei. Mas se deres um nome que gostes a alguém aposto que essa pessoa vai adorar...
- Oh, mas a minha mãe gosta do meu nome e eu não. Avó, quem escolheu o teu nome?
- Foi o meu pai. Mas porque perguntas?
- Bem...é um nome estranho. Acho que nunca daria esse nome a uma filha...
- Pois é. E sabes? Tal como tu odiava o meu nome...até saber o seu significado.
- Significado?
- Sim. Todos os nomes significam algo, e Aurélia significa "brilhante como o sol"

Sorriu. Sorriu pela sua bela ingenuidade de criança, pela sua avó e pelas conversas que ambas tinham diversas vezes na velha cozinha amarelada, onde uma das paredes estava visivelmente mais suja devido à proximidade da lareira que as aquecia enquanto permaneciam sentadas, a avó na cadeira de baloiço e ela numa grande almofada cor-de-rosa, durante os dias mais frios.
A brisa surgiu, leve e fresca como sempre, trazendo consigo algumas folhas soltas, caídas recentemente das árvores que o jardim possui. Cerrou os olhos, apertou a manta contra o peito; uma lágrima vítrea percorreu todo o seu rosto e, enquanto acariciava a barriga, disse junto a uma velha placa rodeada de belas flores:

- Avó... em mim carrego um pequeno raio de sol que em breve trará à minha vida tanta alegria como aquela que sempre me deste. Avó... diz olá à Aurélia!

(E a brisa voltou a bailar com as folhas enquanto o sol brilhou, mais forte do que nunca.)

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